E se você pudesse experimentar outras vidas que teria tido se suas decisões tivessem sido diferentes? É esta a oportunidade que é dada a Nora Seed, uma mulher de 35 anos que atravessa um momento difícil e que após tentar o suicídio fica entre a vida e a morte e então se vê em uma biblioteca, na qual pode escolher entre diferentes livros que a transportam diretamente para aquele exato dia de sua existência, quando ela tem os mesmos 35 anos, mas em uma vida complemente diferente, que seria a vida dela caso alguma escolha do seu passado fosse outra.
Na contracapa do livro consta a pergunta que parece ser um dos grandes questionamentos da trama: “O que faz a vida valer a pena?”. Ao longo do livro, Nora tem a chance de viver vidas diferentes e então ela se questiona a todo o momento se é aquele tipo de vida que ela realmente quer ter, se é aquela vida que a faria feliz.
O livro A Biblioteca da Meia-Noite foi lançado pelo inglês Matt Haig em 2020 e no mesmo ano ganhou o prêmio Goodreads Choice Awards de melhor livro de ficção. Já vendeu mais de 9 milhões de exemplares no mundo todo, atualmente é um dos livros mais vendidos no Brasil e já foi traduzido para mais de 40 países. Diante de tais fatos, confesso que estava curiosa para saber se eu gostaria do livro.
As vidas de Nora
Já na primeira linha de A Biblioteca da Meia-Noite, é dito que Nora decidiu morrer. O início do livro mostra como está a vida dela naquele momento: ela perde o emprego, seu gato morre, ela se sente sozinha e está desconectada da família e da melhor amiga. Nora faz uma retrospectiva da vida e se questiona sobre as decisões que tomou e acha que todos que ama ou já amou estão melhor sem ela. “Cada movimento tinha sido um erro; cada decisão, um desastre; cada dia, um afastamento de quem ela havia imaginado que seria.” (p.33)
Em meio a tanto sofrimento, Nora decide acabar com a própria vida, mas ela não morre e então se vê em uma biblioteca onde sempre é meia-noite. A Sra. Elm, a antiga bibliotecária da escola de Nora e uma pessoa querida por ela, está nesta biblioteca e lá há inúmeras prateleiras nas quais cada livro oferece a oportunidade de Nora experimentar outra vida, de ver como as coisas seriam se tivesse feito outras escolhas.
O primeiro livro que Nora abre é o “Livro dos Arrependimentos” e ali estão escritos todos os arrependimentos que ela teve até então. É um livro pesado e cheio de dor. Nora se sente sufocada e o fecha e então tem a oportunidade de escolher algum livro que a transportará para uma vida diferente e ela escolhe uma na qual ela esteja casada com Dan, já que na verdade ela o deixou dois dias antes do casamento.
Ela então percebe que está em um pub no interior da Inglaterra e logo vê que os dois estão realizando o sonho de Dan de ser dono de pub. Nora entra naquela vida sem saber o que aconteceu antes, então se sente deslocada e tem que improvisar para que não percebam o que está acontecendo. Mas pouco tempo depois, percebe que não está feliz com o casamento, o marido a traiu e bebe demais e as coisas não estão dando certo. E aí, diante da frustração com aquela vida, Nora retorna instantaneamente à biblioteca.
E assim o livro continua com Nora experimentando vidas diferentes, que são escolhidas a partir de um questionamento de “e se” ela tivesse tomado esta ou aquela decisão. Em uma das vidas ela não deixa o gato sair de casa para impedir que ele morra, mas ela descobre que ele morre mesmo assim, pois tinha um problema no coração. Este é um ponto importante do livro, pois é onde o “Livro dos Arrependimentos” começa a ter trechos apagados, pois Nora percebe que há coisas das quais se arrepende e que não fazem sentido, não são culpa dela ou que estavam além do seu controle. A Sra. Elm fala “às vezes, os arrependimentos não são baseados em fatos. Às vezes, os arrependimentos são apenas… – Ela procurou a expressão apropriada e a encontrou. – O maior papo-furado.” (p. 80)
Então Nora vive diversas outras vidas, sempre “revertendo” arrependimentos e fazendo escolhas diferentes das que fez no passado. Em uma vida, ela foi morar na Austrália com a melhor amiga Izzie. Em outra, ela não largou o piano e a banda que tinha e virou uma rockstar. Tem ainda a vida em que ela não desistiu de nadar e virou uma medalhista olímpica. Mas todas as vidas têm algo em comum: sempre têm aspectos positivos e negativos. Às vezes, a vida das pessoas ao redor de Nora está difícil e há vidas em que alguma pessoa querida dela já morreu. Percebe então que “a tristeza é parte intrínseca do tecido da felicidade. Não dá pra ter uma sem a outra […] não há uma vida sequer em que a pessoa possa existir num estado permanente de felicidade absoluta.” (p.194)
Minha experiência de leitura
Ao ler as primeiras páginas já fui cativada pela forma de escrever do autor. Os capítulos são curtos, há muitos diálogos e sempre há muita coisa acontecendo, o que faz a leitura fluir de forma prazerosa. A cada nova vida de Nora eu ficava mais curiosa sobre o que iria acontecer.
O livro discute temas sensíveis como depressão, suicídio e morte de pessoas queridas. Apesar disso, a mensagem que o livro passa é de otimismo e esperança, então me parece que o autor teve a sensibilidade necessária ao abordar temas tão difíceis, talvez devido a sua vivência. Após a leitura, ao pesquisar sobre o autor, vi que ele tem um livro no qual relata um período de sua vida em que teve depressão e até chegou a pensar em suicídio (Razões para continuar vivo) e pretendo lê-lo em breve.
Quando Nora “apareceu” na Biblioteca da Meia-Noite e a Sra. Elm explicou como era a dinâmica dos livros, fiquei muito empolgada para ver como o autor iria desenvolver a narrativa.
Ao chegar em cerca de 20% da leitura, eu já deduzia qual seria o final do livro. Já tinha entendido onde o autor queria chegar. E acertei. Apesar disso, não considero isto um problema, pois se fosse diferente, talvez o livro não passaria a mensagem de esperança e motivação que o autor parece querer passar.
Até mais ou menos a metade do livro, eu estava muito animada para ver como seria cada nova vida da Nora. Entretanto, depois de ler umas quatro vidas, comecei a achar que estava ficando repetitivo, pois era sempre o mesmo esquema: ela escolhia a vida baseada num arrependimento passado, ficava meio perdida ao “entrar” na vida, mas logo começava a gostar, só que depois de um tempo algo a desagradava profundamente.
Adorei o trecho em que Nora conheceu Hugo, um outro slider (como ele chama quem está na mesma situação de Nora), mas esta passagem parece servir apenas para explicar um pouco do que estava acontecendo. Acredito que não foi explorado o potencial que havia para o personagem, gostaria que o Hugo ou algum outro slider tivesse aparecido mais e com um papel maior no desenrolar da trama.
Originalidade x clichê
Considero que a trama do livro é muito original. A forma como o autor aborda a transição da personagem por realidades paralelas é algo que deixa o livro muito instigante, não dá vontade de parar de ler.
Há algumas metáforas presentes no livro que são clichê, como comparar a vida a um jogo de xadrez ou a vida a ser vivida a um livro em branco. Entretanto, apesar de serem metáforas frequentemente utilizadas, a forma como o autor as incluiu no livro foi bem-sucedida e serviu ao desenvolvimento da trama.
Gostei particularmente do trecho em que a Sra. Elm diz à Nora que o peão é a mais mágica das peças do xadrez, pois embora pareça pequeno e banal, ele é uma rainha em potencial e avançando com ele, uma casa por vez, se pode desbloquear todos os tipos de poder. Neste trecho, Nora percebe que assim como no xadrez, na vida cada pequeno movimento que se faz abre um mundo inteiro de possibilidades. A Sra. Elm diz ainda que a coisa mais banal pode ser a que leva à vitória, então, é preciso continuar: “no xadrez, como na vida, as possibilidades são a base de tudo.” (p.209)
A leitura de “A Biblioteca da Meia-Noite” me impactou desde o seu início e me fez querer agir diferente diante da vida, repensar algumas atitudes minhas, aproveitar mais o meu dia e prestar mais atenção nas pequenas coisas boas, afinal como Nora diz citando o filósofo Thoreau “não é aquilo para o que você olha que importa, mas o que você vê.” (p.258)
Você não precisa entender a vida.
Precisa apenas vivê-la.
(p.233)