Resenha

ALERTA DE SPOILERS! A resenha contém revelações do enredo
Frankenstein (capa do livro)

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Mary Shelley (autora)

Mary Shelley

AUTORA

CLASSIFICAÇÃO

Zahar

EDITORA

Santiago Nazarian

TRADUÇÃO

1818

ANO DA PUBLICAÇÃO ORIGINAL

2017

ANO DA EDIÇÃO

248

PÁGINAS

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Frankenstein

O melhor de toda a estória é justamente a criatura. Recuso-me aqui a chamá-lo de monstro pois deixo esse adjetivo para o seu criador. Abandonado logo após a sua criação ou seu nascimento, consegue sobreviver sozinho mesmo com uma mente inicialmente infantil, ou de recém-nascido, em parte graças ao seu corpo que, apesar de pútrido, possuía uma compleição robusta que aguentava os vários maus tratos advindos do seu contato com os seres humanos comuns e que conseguia se nutrir com o que coletava na mata, como castanhas e amoras. Se tornou um ser articulado, aprendeu a dar nome às suas sensações e sentimentos pois adquiriu linguagem e certa cultura. Com o passar do tempo compreendeu que a sua dor mais insuportável era a solidão. Ele recebeu uma vida e ao mesmo instante fora proibido de vivê-la. Era único e solitário.

Me parece completamente natural que uma pessoa ao ler as passagens em que a criatura narra sua história se identifique muito mais com ele do que com qualquer um dos personagens humanos. Esse ser, trazido à vida em condições insanamente indignas, reflete o nível extremo das angústias que nos caracterizam como espécie. A consciência humana demonstra um movimento natural em direção à convivência com seus pares, criando relações de amizade, amor, aprendizado e expressão, coisas básicas e essenciais às quais a criatura de Frankenstein foi violentamente privada por ter sido construída com uma aparência grotesca e horripilante. Quem não sofreu em algum momento da vida por não se sentir acolhido? Ninguém deu a ele a chance de demonstrar a pureza de seus sentimentos ou a inocência de seus pensamentos que existiam na camada íntima e profunda de seu ser que desgraçadamente fora encapado com carniça. A autora estabelece que os limites da percepção humana, ora atingidos, manifestam reações involuntariamente irracionais, abruptas e violentas diante daquilo que se apresenta fora do aceitável ou fora de lugar.

A obra em si carece de coerência em vários pontos mas cito aqui apenas um como exemplo e é o que acho suficiente para exemplificar a minha impressão geral. Como é possível que o Doutor Frankenstein sofra tanto com a perda recente de seus entes queridos após ter descoberto o segredo de conceder a vida, a fagulha que anima os corpos biológicos? Considerando que a obra não discute a singularidade ou a origem da consciência, como então seria possível montar um corpo com partes de vários cadáveres, matéria pútrida, gerar vida nele e ao mesmo tempo não trazer de volta as recém-falecidas pessoas mais importantes da sua vida? Afinal, o ápice da conquista científica deste “garoto mimado” é uma potência ou uma fraqueza?

Se tem um vilão nessa estória, esse vilão é o próprio Doutor Victor Frankenstein. Que personagem irritante. Suas atitudes não fazem sentido. A criatura, o “monstro maldito e desgraçado” que nunca recebeu um nome, é na verdade a grande vítima da curiosidade irresponsável desse vaidoso estudante da filosofia natural em busca da glória pessoal e termina demonstrando mais brio e coerência que qualquer outro personagem.

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