Resenha

ALERTA DE SPOILERS! A resenha contém revelações do enredo
Dias de Abandono (capa do livro)

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Elena Ferrante (autora) cuja identidade real é desconhecida

Elena Ferrante

AUTORA

CLASSIFICAÇÃO

Biblioteca Azul

EDITORA

Francesca Cricelli

TRADUÇÃO

2002

ANO DA PUBLICAÇÃO ORIGINAL

2016

ANO DA EDIÇÃO

184

PÁGINAS

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Dias de abandono

Já li vários livros de Elena Ferrante, mas para mim “Dias de Abandono” foi o livro mais difícil e doloroso da autora, não por causa da linguagem, que é simples, mas pela aflição que a personagem principal me fez sentir. O livro é curto, tem apenas 184 páginas, mas levei semanas para ler. A dor que a protagonista revela a cada página é angustiante e me demandava paradas a cada trecho. Foi uma leitura realmente difícil de digerir, tamanha é a intensidade da dor sentida pela personagem. 

“Dias de Abandono” é o segundo livro de Elena Ferrante. Publicado pela escritora italiana em 2002, só foi lançado no Brasil em 2016, após saírem os dois primeiros livros da tetralogia napolitana da qual faz parte “A Amiga Genial”, livro que tornou a autora conhecida no Brasil e no mundo. 

O livro é narrado em primeira pessoa por Olga, mulher de 38 anos casada com Mário, que tem dois filhos e um cachorro e que leva uma vida tranquila. De repente, já na primeira página do livro, ela é surpreendida com a decisão do marido que a comunica que sairá de casa, sem dar muitas explicações. Ele não se despede dos filhos e nem mesmo diz para onde vai, simplesmente sai de sua vida. A temática parece bem comum, mas a forma como Ferrante desnuda o interior da personagem é impressionante e torna sua narrativa única. 

A princípio, Olga fica em uma fase de negação, achando que o marido voltará para casa, mas com o passar do tempo ela percebe que a separação é definitiva. Olga entra em uma viagem interior e se questiona sobre seu envelhecimento, sobre quem é, sobre seu papel enquanto mãe. A dor que ela transmite vai aumentando a cada parágrafo e ela mergulha em solidão e sofrimento e em alguns momentos ela se perde tanto neste turbilhão de emoções que parece esquecer totalmente do mundo ao seu redor. 

A cada página, percebemos que o título  “Dias de abandono”  não se refere somente ao abandono de Olga  pelo marido, mas ao abandono de si mesma, que ao longo dos anos cada vez tinha se anulado mais e que após sua separação teria que percorrer um longo caminho para se reencontrar e descobrir quem ela realmente é. E é esse caminho que Elena Ferrante nos faz trilhar com a personagem de forma crua, às vezes violenta, mas também com esperança. 

A obra ganhou uma adaptação para o cinema feita na Itália em 2005 e que leva o título original do livro “I Giorni dell’Abbandono”, com a atriz Margherita Buy e dirigido por Roberto Faenza. Em 2023, foi divulgado pelo site Variety.com que o livro ganhará uma versão em inglês estrelada por Penélope Cruz e Adam Driver e dirigida por Isabel Coixet. O filme se passará nos Estados Unidos, mas ainda não se sabe a data de lançamento. Veja abaixo o trailer da versão italiana de 2005:

A Nápoles de Ferrante

Neste livro, a cidade de Nápoles não aparece tanto como em outras obras da autora. A narrativa é ambientada em Turim,  cidade italiana para a qual a família se mudou quando Mário, que era engenheiro, conseguiu um trabalho lá. Apesar de ter o desejo de ser escritora, Olga abriu mão do trabalho para acompanhar o marido e dedicou-se a cuidar dele e dos filhos. Quase não se fala de Turim. 

Nápoles, entretanto, aparece em lembranças desconfortáveis da infância de Olga. Em diversos trechos do livro ela se lembra da “pobre coitada”, uma mulher que vivia no mesmo prédio em que ela morava quando criança, na Piazza Mazzini. 

Olga se lembra que a mulher era muito bonita e alegre e vivia com seus três filhos à espera do marido, sempre às voltas com as coisas do lar. Depois de um tempo, o marido a deixou e ela foi definhando, até que se jogou nas águas do rio. Era conhecida na vizinhança como a “pobre coitada”, perdera até o nome, do qual quase ninguém se lembrava mais (talvez se chamasse Emilia, pensa Olga). 

Ao longo do livro Olga se sente muitas vezes devastada pela solidão, assim como se sentia a “pobre coitada”. Mas sabemos próximo ao final que o desfecho da história de ambas será bem diferente, como percebe-se no trecho abaixo, que vem após uma conversa decisiva com Mario, em um momento em que ela afirma que já não sente mais dor:

Aquela noite, quando Mario foi embora, voltei a ler as páginas em que Anna Karenina está próxima de morrer, folheei aquelas páginas que falavam de mulheres quebradas. Lia e no entanto sentia-me segura, eu não era mais como aquelas senhoras das páginas, não as sentia como uma voragem que me sugava. Me dei conta de que tinha até sepultado  em algum lugar a mulher abandonada da minha infância napolitana, meu coração já não batia mais em seu peito, os tubos das veias romperam-se. A pobre coitada voltou a ser como uma foto antiga, passado petrificado, sem sangue. (p.179)

Esperança

Mas, depois de tanto sofrimento, o livro nos traz um pouco de esperança. O meu trecho preferido é próximo do final, quando em um encontro com Mário, seu ex-marido, ele se queixa dos filhos e diz que eles estão atrapalhando seu relacionamento com Carla, a ex-amante que se tornou esposa. Olga então diz a ele:

Justamente quando me senti enganada, abandonada, humilhada, te amei muitíssimo, te desejei mais do que em qualquer outro momento da nossa vida juntos. Não te amo mais porque, para se justificar, você disse que tinha caído no vazio, no vazio de sentido, e não era verdade. Não, agora eu sei o que é um vazio de sentido e o que acontece se você consegue voltar à superfície. Você não, você não sabe. Você no máximo lançou um olhar para baixo, se assustou e tampou a falha com o corpo de Carla. (p.180)

Este trecho resume a jornada que Olga empreende até o fundo do poço no passar das páginas, mas revela que ela finalmente se reergueu. “Dias de Abandono” é um livro que traz a dor de uma mulher arrasada, mas que também traz esperança. Como em seus outros livros, aqui Elena Ferrante sabe dar tanta profundidade a sua protagonista que nos faz mergulhar junto com ela em sua trajetória, parece até que quase sentimos o que ela sente. É uma leitura que, apesar de incômoda em muitos trechos, vale muito a pena.

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