Resenha

ALERTA DE SPOILERS! A resenha contém revelações do enredo
O Pacto (capa do livro)
Joe Hill (autor) lendo seu livro vestindo chifres de plástico na cabeça

Joe Hill

AUTOR

CLASSIFICAÇÃO

Harper Collins

EDITORA

André Gordirro

TRADUÇÃO

2010

ANO DA PUBLICAÇÃO ORIGINAL

2023

ANO DA EDIÇÃO

415

PÁGINAS

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O Pacto

“O Pacto” é o segundo romance escrito por Joe Hill, lançado em 2010, indicado ao Bram Stoker Awards e ganhou sua versão para o cinema em 2013 com o nome “Amaldiçoado”, sendo estrelado por Daniel Radcliffe (o eterno Harry Potter). No Brasil, o livro foi lançado primeiramente com o título do filme, “Amaldiçoado” (Editora Arqueiro) e depois com outro título, “O Pacto” (Editora Harper Collins Brasil). O título original em inglês é “Horns” (chifres) e tem muito mais relação com a estória do que as versões brasileiras.

O livro é composto por cinqüenta capítulos divididos em cinco sessões que levam os títulos de Inferno, Bomba, O sermão inflamado, O consertador e por fim O evangelho segundo Mick e Keith. Durante a leitura, no entanto, é perceptível, na minha opinião, uma implícita divisão, mais simples, em três partes que basicamente resumem as experiências principais que vou chamar aqui, fazendo um paralelo à estrutura do autor, de encantamento, tédio e decepção. Tendo antecipado minha avaliação na sentença anterior, esclareço a seguir os meus motivos.

No primeiro terço do livro nos é apresentada a trama que, além de calcada em aspectos do sofrimento humano a que todos podemos estar sujeitos, como a perda de entes queridos, erros que preferimos manter em segredo, desejos moralmente inconfessáveis, conflitos espirituais com crenças e doutrinas religiosas dentre outros. Tudo isso recebe uma camada fantástica de absurdo que nos envolve num sentimento tal como a possibilidade de ter um desejo atendido. Essa camada se refere aos poderes que o protagonista recebe, sem explicação nenhuma, que conferem a ele a capacidade de estimular a confissão mais sombria de qualquer pessoa que se aproxime, de saber instantaneamente todos os fatos da vida de alguém, sem censura, mediante toque físico, e por último, sugestionar as próximas atitudes com grande poder de convencimento. O preço para isso é ter que portar um par de chifres na testa e suportar o impacto de saber o que as pessoas realmente pensam sobre você. Vamos então ao enredo apresentado nessa primeira parte.

Merrin morre vítima de um violento assassinato no mesmo dia em que terminou seu relacionamento de anos de namoro com Ignatious Perrish (também conhecido por Ig ou Iggy). Um crime não solucionado pela polícia mas que acabou implicando Ig como principal suspeito. Ele não ficou preso nem foi sentenciado porque as evidências haviam sido destruídas em um incêndio no laboratório forense. Um ano depois, Ig acorda um dia de ressaca e percebe protuberâncias crescendo na sua testa, um par de chifres. Assustado e sem entender nada, vai procurar ajuda e na recepção do consultório médico percebe que os cornos vieram com poderes. Sua simples presença faz com que as pessoas interajam com ele confessando seus pensamentos e desejos mais íntimos e perversos além de conseguir visualizar toda a vida da pessoa que o toca. Em vista dos novos poderes Ig vislumbra poder enfim solucionar o crime, descobrindo a identidade do assassino e a real sequência dos fatos. Acontece que ele fora acusado de ser o autor do assassinato, mas como as evidências foram perdidas com o incêndio do laboratório forense, acabou sendo libertado e se transformou em uma espécie de celebridade marginal entre os locais, que passaram a detestar a presença dele. Ele não obteria a ajuda de ninguém.

Ig visita os pais e ouve absurdos de todos eles: da avó, da mãe e do pai. Mas ao finalmente encontrar com seu irmão mais velho, Terry, e este sob efeito dos chifres confessa a Ig que sabe quem matou Merrin e que ocultou sua identidade por covardia e medo de ser implicado no crime. Terry então confessa que seu amigo de infância, Lee Torneau, foi o assassino. Ig sente que precisa averiguar, confirmar essa versão, e ele tem as ferramentas para fazer isso. O desejo dele é fazer justiça e não poderá contar com a ajuda da polícia, então é aí que surge um plot de vingança. Vingança sempre rende, mas não no caso deste livro.

Eu já estava incendiado de expectativas quando entrei no segundo terço do livro e foi aí que recebi um balde de água gelada. São páginas e páginas contando histórias do passado de Lee, sua relação com os pais, principalmente com a mãe, sobre o lugar onde moravam, como foi crescer com as condições que recebeu e qual era o nível de sua tara pela Merrin, garota que frequentava assiduamente a igreja, que não se dava ao desfrute e que ainda era a namorada de seu amigo. Essa longa descrição foi muito cansativa e chegou a me dar vontade de abandonar a leitura, ainda mais se tratando do personagem que já sabíamos ser o mais provável autor do crime. Enfrentei o tédio pois ainda nutria a curiosidade de saber se tudo isso faria algum sentido no desfecho da narrativa e se poderia haver um plot twist ou alguma revelação absurdamente bombástica.

Essa segunda parte do livro focou em Lee totalmente e seria impossível ele não ser o personagem mais implicado no crime. Quando a narrativa volta o foco para Ig novamente, nos encaminhamos para o terceiro terço e o fechamento da trama.

A parte final foi muito, mas muito decepcionante. Com os poderes dos chifres, criou-se um ambiente perfeito para que o protagonista, paramentado com a aparência mítica do diabo e de seus poderes, usasse todos os segredos podres e absurdos que passou a saber das pessoas, para ao menos se valer de táticas que envolvessem manipulação, chantagem, e principalmente da capacidade de influência para jogar as pessoas umas contra as outras deixando que elas mesmas fizessem o serviço sujo enquanto Ig apenas observaria de longe após bancar o capetinha nos ombros soprando aos ouvidos. Assim, de alguma forma a verdade deveria chegar às autoridades já que Ig estava sozinho e não poderia contar com a ajuda de ninguém. Isso foi o que EU pensei que poderia acontecer, mas o desenrolar, tenho que dizer, foi muito ridículo.

O último suspiro dado pelo autor foi fazer com que Ig conseguisse uma chave com o pai de Merrin que abria uma caixa guardada no sótão da casa da namorada e nela havia uma mensagem escrita em código Morse endereçada a Ig, na qual ela contava que havia sido diagnosticada com câncer e que não queria encarnar sua própria versão do sofrimento vivido por sua irmã anos antes, falecendo da mesma doença. Por isso pensou em afastá-lo para que não perdesse as oportunidades que estavam aparecendo para ele e também porque sabia que uma vez que ele soubesse do diagnóstico, largaria tudo e se casaria com ela ficando ao seu lado, sofrendo até o último minuto e talvez para sempre. Lee Torneau, que sempre esteve interessado em Merrin, interpretava qualquer interação com ela achando que ela estava sinalizando interesse por ele e que então ela estaria elaborando alguma estratégia para afastar Ig e se entregar para ele. No dia que Merrin terminou com Ig, Lee avança com uma grande certeza de que finalmente teria Merrin para si, mas ela se surpreende com a investida de Lee e deixa claro que não estava terminando com Ig para ficar com ele, que ela nunca faria isso pois nunca teve interesse nele. Nessa noite Merrin é estrangulada com a gravata que Ig deixara no bar, levando em seguida uma pedrada na fronte, acabando com a sua vida. Lee a estupra praticamente morta e depois cuida para que não consigam relacionar o crime a ele.

Imagine construir toda essa situação, que começou bem instigante, como se estivesse construindo uma escadaria e o prêmio estivesse lá em cima, e no final o capeta contorna essa escadaria maravilhosa para atacar seu rival matando-o com uma chifrada no estômago! Eu simplesmente não acreditava no que eu havia acabado de ler! Joe Hill, o autor, resolveu jogar fora toda a trama construída até então para fazer o novo estagiário do inferno agir como um desesperado bode asmático! Tenho vontade de inserir um palavrão aqui para explicitar a intensidade do meu assombro.

Eu fico na dúvida se o escritor ficou com pressa ou preguiça de trabalhar melhor o material que concebeu para o início. Para mim ele desperdiçou uma ótima trama, pois o livro lida com sentimentos humanos comuns e difíceis de resolver no âmbito íntimo, ou seja, em cada mente e em cada coração. A partir destes sentimentos as questões espirituais são colocadas em dúvida, principalmente quando após uma vida de dedicação e de rígida observação dos preceitos, não obtemos o devido socorro metafísico e milagroso prometido, como se fôssemos jogados ao completo abandono. No livro, alguns dos personagens se sentem traídos por Deus e se voltam contra ele, havendo até algumas cenas descrevendo graves heresias.

Por fim, a maior atitude demoníaca que o protagonista conseguiu ter em sua vingança foi agir feito um bode chucro e arisco. Aqui foi posta de lado toda a inteligência ardilosa sob a qual repousa a fama do diabo. Triste de ver, triste de ler.

Curiosidades

Chifres, cornetas e trompetes
Shofar

Em inglês, “horns”, além de significar “chifres”, também é usado para se referir a uma família de instrumentos de sopro construídos como um tubo cônico de metal que se afina em uma das extremidades, onde o músico assopra. Imagine um berrante feito de metal. Os instrumentos desta família possuem diferentes comprimentos e são curvados de várias maneiras, sendo o mais conhecido deles o trompete. Este é o instrumento oficial da família Perrish no livro. Existe uma relação não declarada com o fato de Ig ser asmático e não conseguir se dedicar ao instrumento da mesma forma que o pai e o irmão, e o “trompete” (horn) que ele teve que “usar” foi bem diferente. É quase impossível brincar com essa relação na língua portuguesa, mas de um jeito grosseiro aqui vai: todos na família Perrish tocam chifres, de um jeito ou de outro, uns com a boca e outros com a testa. Viu? Eu avisei que não soa engraçado em português. Essa relação entre o “chifre instrumento” e o “chifre na testa” não é explorada no livro.

Trompete
As dores de um escritor

Em entrevista para o site Buzz Feed o autor revelou que apesar de ficar feliz com o fato das pessoas gostarem de seu livro, ele mesmo prefere não revisitá-lo, pois não gosta de lembrar quem ele era quando o escreveu. Segundo o próprio Joe Hill, após o lançamento do seu primeiro romance, “A Estrada da Noite” (“Heart-Shaped Box”, em inglês), ele viveu na pele o grande clichê de se atingir o sucesso e vê-lo vir acompanhado de desgraças, como o seu divórcio e uma crise nervosa que o transformou em uma pessoa maluca. Joe destruiu todos os quartos de hotel nos quais se hospedou durante a turnê de divulgação do livro. Ele estava paranóico com a idéia de estar sendo espionado e sempre procurava por câmeras escondidas.

Ele também contou que entre o primeiro e o segundo romance, ele escreveu outros três livros que não conseguiu terminar, achando que esqueceu como escrever uma boa estória. Para sair dessa situação alugou uma casa longe da família e chegava de moto todas as manhãs para escrever lá. A casa só tinha uma mesa, uma cadeira, o computador e uma cópia do romance “The Big Bounce” do escritor Elmore Leonard. Ele utilizou este livro como inspiração, como uma fonte de lições para reaprender a escrever. Ele começava copiando duas páginas por dia deste livro e na sequência ele procurava inventar uma continuação do que havia copiado, como se estivesse escrevendo uma versão para ele. Quando ele sentiu que seu texto começou a representar o tom certo do que ele queria, então ele trocava o arquivo no computador e passava a escrever o seu próprio material para “O Pacto”. Depois que terminou seu livro ele nunca mais voltou para essa grande casa vazia.

“O Pacto” é o segundo romance escrito por Joe Hill, lançado em 2010, indicado ao Bram Stoker Awards e ganhou sua versão para o cinema em 2013 com o nome “Amaldiçoado”, sendo estrelado por Daniel Radcliffe (o eterno Harry Potter). No Brasil, o livro foi lançado primeiramente com o título do filme, “Amaldiçoado” (Editora Arqueiro) e depois com outro título, “O Pacto” (Editora Harper Collins Brasil). O título original em inglês é “Horns” (chifres) e tem muito mais relação com a estória do que as versões brasileiras.

O livro é composto por cinqüenta capítulos divididos em cinco sessões que levam os títulos de Inferno, Bomba, O sermão inflamado, O consertador e por fim O evangelho segundo Mick e Keith. Durante a leitura, no entanto, é perceptível, na minha opinião, uma implícita divisão, mais simples, em três partes que basicamente resumem as experiências principais que vou chamar aqui, fazendo um paralelo à estrutura do autor, de encantamento, tédio e decepção. Tendo antecipado minha avaliação na sentença anterior, esclareço a seguir os meus motivos.

No primeiro terço do livro nos é apresentada a trama que, além de calcada em aspectos do sofrimento humano a que todos podemos estar sujeitos, como a perda de entes queridos, erros que preferimos manter em segredo, desejos moralmente inconfessáveis, conflitos espirituais com crenças e doutrinas religiosas dentre outros. Tudo isso recebe uma camada fantástica de absurdo que nos envolve num sentimento tal como a possibilidade de ter um desejo atendido. Essa camada se refere aos poderes que o protagonista recebe, sem explicação nenhuma, que conferem a ele a capacidade de estimular a confissão mais sombria de qualquer pessoa que se aproxime, de saber instantaneamente todos os fatos da vida de alguém, sem censura, mediante toque físico, e por último, sugestionar as próximas atitudes com grande poder de convencimento. O preço para isso é ter que portar um par de chifres na testa e suportar o impacto de saber o que as pessoas realmente pensam sobre você. Vamos então ao enredo apresentado nessa primeira parte.

Merrin morre vítima de um violento assassinato no mesmo dia em que terminou seu relacionamento de anos de namoro com Ignatious Perrish (também conhecido por Ig ou Iggy). Um crime não solucionado pela polícia mas que acabou implicando Ig como principal suspeito. Ele não ficou preso nem foi sentenciado porque as evidências haviam sido destruídas em um incêndio no laboratório forense. Um ano depois, Ig acorda um dia de ressaca e percebe protuberâncias crescendo na sua testa, um par de chifres. Assustado e sem entender nada, vai procurar ajuda e na recepção do consultório médico percebe que os cornos vieram com poderes. Sua simples presença faz com que as pessoas interajam com ele confessando seus pensamentos e desejos mais íntimos e perversos além de conseguir visualizar toda a vida da pessoa que o toca. Em vista dos novos poderes Ig vislumbra poder enfim solucionar o crime, descobrindo a identidade do assassino e a real sequência dos fatos. Acontece que ele fora acusado de ser o autor do assassinato, mas como as evidências foram perdidas com o incêndio do laboratório forense, acabou sendo libertado e se transformou em uma espécie de celebridade marginal entre os locais, que passaram a detestar a presença dele. Ele não obteria a ajuda de ninguém.

Ig visita os pais e ouve absurdos de todos eles: da avó, da mãe e do pai. Mas ao finalmente encontrar com seu irmão mais velho, Terry, e este sob efeito dos chifres confessa a Ig que sabe quem matou Merrin e que ocultou sua identidade por covardia e medo de ser implicado no crime. Terry então confessa que seu amigo de infância, Lee Torneau, foi o assassino. Ig sente que precisa averiguar, confirmar essa versão, e ele tem as ferramentas para fazer isso. O desejo dele é fazer justiça e não poderá contar com a ajuda da polícia, então é aí que surge um plot de vingança. Vingança sempre rende, mas não no caso deste livro.

Eu já estava incendiado de expectativas quando entrei no segundo terço do livro e foi aí que recebi um balde de água gelada. São páginas e páginas contando histórias do passado de Lee, sua relação com os pais, principalmente com a mãe, sobre o lugar onde moravam, como foi crescer com as condições que recebeu e qual era o nível de sua tara pela Merrin, garota que frequentava assiduamente a igreja, que não se dava ao desfrute e que ainda era a namorada de seu amigo. Essa longa descrição foi muito cansativa e chegou a me dar vontade de abandonar a leitura, ainda mais se tratando do personagem que já sabíamos ser o mais provável autor do crime. Enfrentei o tédio pois ainda nutria a curiosidade de saber se tudo isso faria algum sentido no desfecho da narrativa e se poderia haver um plot twist ou alguma revelação absurdamente bombástica.

Essa segunda parte do livro focou em Lee totalmente e seria impossível ele não ser o personagem mais implicado no crime. Quando a narrativa volta o foco para Ig novamente, nos encaminhamos para o terceiro terço e o fechamento da trama.

A parte final foi muito, mas muito decepcionante. Com os poderes dos chifres, criou-se um ambiente perfeito para que o protagonista, paramentado com a aparência mítica do diabo e de seus poderes, usasse todos os segredos podres e absurdos que passou a saber das pessoas, para ao menos se valer de táticas que envolvessem manipulação, chantagem, e principalmente da capacidade de influência para jogar as pessoas umas contra as outras deixando que elas mesmas fizessem o serviço sujo enquanto Ig apenas observaria de longe após bancar o capetinha nos ombros soprando aos ouvidos. Assim, de alguma forma a verdade deveria chegar às autoridades já que Ig estava sozinho e não poderia contar com a ajuda de ninguém. Isso foi o que EU pensei que poderia acontecer, mas o desenrolar, tenho que dizer, foi muito ridículo.

O último suspiro dado pelo autor foi fazer com que Ig conseguisse uma chave com o pai de Merrin que abria uma caixa guardada no sótão da casa da namorada e nela havia uma mensagem escrita em código Morse endereçada a Ig, na qual ela contava que havia sido diagnosticada com câncer e que não queria encarnar sua própria versão do sofrimento vivido por sua irmã anos antes, falecendo da mesma doença. Por isso pensou em afastá-lo para que não perdesse as oportunidades que estavam aparecendo para ele e também porque sabia que uma vez que ele soubesse do diagnóstico, largaria tudo e se casaria com ela ficando ao seu lado, sofrendo até o último minuto e talvez para sempre. Lee Torneau, que sempre esteve interessado em Merrin, interpretava qualquer interação com ela achando que ela estava sinalizando interesse por ele e que então ela estaria elaborando alguma estratégia para afastar Ig e se entregar para ele. No dia que Merrin terminou com Ig, Lee avança com uma grande certeza de que finalmente teria Merrin para si, mas ela se surpreende com a investida de Lee e deixa claro que não estava terminando com Ig para ficar com ele, que ela nunca faria isso pois nunca teve interesse nele. Nessa noite Merrin é estrangulada com a gravata que Ig deixara no bar, levando em seguida uma pedrada na fronte, acabando com a sua vida. Lee a estupra praticamente morta e depois cuida para que não consigam relacionar o crime a ele.

Imagine construir toda essa situação, que começou bem instigante, como se estivesse construindo uma escadaria e o prêmio estivesse lá em cima, e no final o capeta contorna essa escadaria maravilhosa para atacar seu rival matando-o com uma chifrada no estômago! Eu simplesmente não acreditava no que eu havia acabado de ler! Joe Hill, o autor, resolveu jogar fora toda a trama construída até então para fazer o novo estagiário do inferno agir como um desesperado bode asmático! Tenho vontade de inserir um palavrão aqui para explicitar a intensidade do meu assombro.

Eu fico na dúvida se o escritor ficou com pressa ou preguiça de trabalhar melhor o material que concebeu para o início. Para mim ele desperdiçou uma ótima trama, pois o livro lida com sentimentos humanos comuns e difíceis de resolver no âmbito íntimo, ou seja, em cada mente e em cada coração. A partir destes sentimentos as questões espirituais são colocadas em dúvida, principalmente quando após uma vida de dedicação e de rígida observação dos preceitos, não obtemos o devido socorro metafísico e milagroso prometido, como se fôssemos jogados ao completo abandono. No livro, alguns dos personagens se sentem traídos por Deus e se voltam contra ele, havendo até algumas cenas descrevendo graves heresias.

Por fim, a maior atitude demoníaca que o protagonista conseguiu ter em sua vingança foi agir feito um bode chucro e arisco. Aqui foi posta de lado toda a inteligência ardilosa sob a qual repousa a fama do diabo. Triste de ver, triste de ler.

Curiosidades

Chifres, cornetas e trompetes
Shofar

Em inglês, “horns”, além de significar “chifres”, também é usado para se referir a uma família de instrumentos de sopro construídos como um tubo cônico de metal que se afina em uma das extremidades, onde o músico assopra. Imagine um berrante feito de metal. Os instrumentos desta família possuem diferentes comprimentos e são curvados de várias maneiras, sendo o mais conhecido deles o trompete. Este é o instrumento oficial da família Perrish no livro. Existe uma relação não declarada com o fato de Ig ser asmático e não conseguir se dedicar ao instrumento da mesma forma que o pai e o irmão, e o “trompete” (horn) que ele teve que “usar” foi bem diferente. É quase impossível brincar com essa relação na língua portuguesa, mas de um jeito grosseiro aqui vai: todos na família Perrish tocam chifres, de um jeito ou de outro, uns com a boca e outros com a testa. Viu? Eu avisei que não soa engraçado em português. Essa relação entre o “chifre instrumento” e o “chifre na testa” não é explorada no livro.

Trompete
As dores de um escritor

Em entrevista para o site Buzz Feed o autor revelou que apesar de ficar feliz com o fato das pessoas gostarem de seu livro, ele mesmo prefere não revisitá-lo, pois não gosta de lembrar quem ele era quando o escreveu. Segundo o próprio Joe Hill, após o lançamento do seu primeiro romance, “A Estrada da Noite” (“Heart-Shaped Box”, em inglês), ele viveu na pele o grande clichê de se atingir o sucesso e vê-lo vir acompanhado de desgraças, como o seu divórcio e uma crise nervosa que o transformou em uma pessoa maluca. Joe destruiu todos os quartos de hotel nos quais se hospedou durante a turnê de divulgação do livro. Ele estava paranóico com a idéia de estar sendo espionado e sempre procurava por câmeras escondidas.

Ele também contou que entre o primeiro e o segundo romance, ele escreveu outros três livros que não conseguiu terminar, achando que esqueceu como escrever uma boa estória. Para sair dessa situação alugou uma casa longe da família e chegava de moto todas as manhãs para escrever lá. A casa só tinha uma mesa, uma cadeira, o computador e uma cópia do romance “The Big Bounce” do escritor Elmore Leonard. Ele utilizou este livro como inspiração, como uma fonte de lições para reaprender a escrever. Ele começava copiando duas páginas por dia deste livro e na sequência ele procurava inventar uma continuação do que havia copiado, como se estivesse escrevendo uma versão para ele. Quando ele sentiu que seu texto começou a representar o tom certo do que ele queria, então ele trocava o arquivo no computador e passava a escrever o seu próprio material para “O Pacto”. Depois que terminou seu livro ele nunca mais voltou para essa grande casa vazia.

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